Hoje o querido e talentoso Rafael João se coloca na pele da Clementine do maravilhoso filme "Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças"e escreve pra gente!
Vamos conferir?
Quantos nomes eu tenho? Quantas almas
moram dentro meu corpo esguio? Quantos anos eu tenho? Eu me tenho? Quantos
passos até o precipício? Quantas doses de vodca até eu entrar em coma
alcoólico? Quantas cortes para a vida vazar até a última gota? Quantos
comprimidos podem comprimir meu coração mais que essa angústia e me furtar a
vida? Não, esta não é uma carta suicida. Mas quero que essa dor se cale e esse
amor morra. Quero matar o amor que tenho por ti. Perdoe ser tão direta, tão
ácida. É que escrever, pra mim, é como ter uma faca afiada nas mãos. Preciso
ver sangrar, sentir o gosto do sangue, sentir o gosto passageiro da morte.
Eu – ou o amor – devemos ter sete
vidas. Você me mata com sua indiferença. Você me mata com seu silêncio quando
eu mais preciso de palavras. Você me mata com suas palavras quando eu mais
preciso que você se cale. Suas palavras parecem farpas que me atingem meu
peito. Unhas bem feitas, afiadas e prontas pra tentar rasgar teu peito,
encontrar o que sentes. Você sempre parece estar protegido. Não há uma brecha
que me permita entrada ou que te deixe vazar.
Minhas mãos estão tão vazias. Cansadas dessa espera.
Meu corpo decorou todos os teus toques.
Como esqueço o que ficou esquecido em mim? O teu dedilhar escorrendo da minha
face até minhas coxas. Compondo melodias. Desatando nós. Destrancando
fechaduras. Meu coração pulsava conforme os teus dedos se moviam. Minha alma ia
e vinha ia e vinha num pulsar urgente meu coração descompensado cantava mudo
para teus ouvidos surdos. O nosso amor parece tão impossível. Estou amargando
nessas noites insones. O tempo está escorrendo e meus dedos são incapazes de
conter esses instantes ao teu lado. Quanto mais nossos corpos estão perto, mais
nossas almas se distanciam. Estamos nos perdendo. Não, você está me perdendo. O
velho clichê diz que amor rima com dor e que é impossível amar sem sentir dor.
Não discordo. Mas quando a dor dói sozinha, ela se torna (quase) insuportável.
O nosso amor parece mesmo não ter mais jeito. O triste do amor não é a
indiferença. O triste do amor deve ser quando as lembranças caem no vão do
esquecimento. Ah, como eu quero esquecer. Apagar todas as velas. Apagar cada
lâmpada acesa nos quartos da minha memória. No escuro não posso mais te ver. As
lembranças não podem mais me tocar. Já que não posso matar o amor, que as
lembranças morram então.
O que alimenta essa dor é cada faísca
de lembrança que o passado – que não passou – insiste em soprar sobre minha
alma ferrada. Sinto que passei dentro de um triturador. Nem que eu arranque
teus olhos eles seriam capazes de me enxergar. Deus, você não me enxerga. Eu sempre
intensa e urgente. Você tão tô-nem-aí-para-suas-necessidades-bobas. As minhas
cores desbotaram junto com o meu amor. O amor deve ter se cansado de mim. É,
pode ser isso também. Quando o amor se cansa da gente, ele quer ir embora. E
não há partida que não doa. Não há partida que não te deixe partido. Você
partiu de mim, mas teu corpo continua aqui na minha cama. Estou velando teu
sono e assistindo pacientemente o nosso amor agonizar. Me deixa esquecer? Ah,
agora quem sou eu para julgar quem quer esquecer algo?
Meu nome não é Clementine, mas eu
quero esquecer.