domingo, 2 de agosto de 2015

Clementine, por Rafael João

Oi gente!!

Hoje o querido e talentoso Rafael João se coloca na pele da Clementine do maravilhoso filme "Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças"e escreve pra gente!

Vamos conferir?

Quantos nomes eu tenho? Quantas almas moram dentro meu corpo esguio? Quantos anos eu tenho? Eu me tenho? Quantos passos até o precipício? Quantas doses de vodca até eu entrar em coma alcoólico? Quantas cortes para a vida vazar até a última gota? Quantos comprimidos podem comprimir meu coração mais que essa angústia e me furtar a vida? Não, esta não é uma carta suicida. Mas quero que essa dor se cale e esse amor morra. Quero matar o amor que tenho por ti. Perdoe ser tão direta, tão ácida. É que escrever, pra mim, é como ter uma faca afiada nas mãos. Preciso ver sangrar, sentir o gosto do sangue, sentir o gosto passageiro da morte.

Eu – ou o amor – devemos ter sete vidas. Você me mata com sua indiferença. Você me mata com seu silêncio quando eu mais preciso de palavras. Você me mata com suas palavras quando eu mais preciso que você se cale. Suas palavras parecem farpas que me atingem meu peito. Unhas bem feitas, afiadas e prontas pra tentar rasgar teu peito, encontrar o que sentes. Você sempre parece estar protegido. Não há uma brecha que me permita entrada ou que te deixe vazar.  Minhas mãos estão tão vazias. Cansadas dessa espera.

Meu corpo decorou todos os teus toques. Como esqueço o que ficou esquecido em mim? O teu dedilhar escorrendo da minha face até minhas coxas. Compondo melodias. Desatando nós. Destrancando fechaduras. Meu coração pulsava conforme os teus dedos se moviam. Minha alma ia e vinha ia e vinha num pulsar urgente meu coração descompensado cantava mudo para teus ouvidos surdos. O nosso amor parece tão impossível. Estou amargando nessas noites insones. O tempo está escorrendo e meus dedos são incapazes de conter esses instantes ao teu lado. Quanto mais nossos corpos estão perto, mais nossas almas se distanciam. Estamos nos perdendo. Não, você está me perdendo. O velho clichê diz que amor rima com dor e que é impossível amar sem sentir dor. Não discordo. Mas quando a dor dói sozinha, ela se torna (quase) insuportável. O nosso amor parece mesmo não ter mais jeito. O triste do amor não é a indiferença. O triste do amor deve ser quando as lembranças caem no vão do esquecimento. Ah, como eu quero esquecer. Apagar todas as velas. Apagar cada lâmpada acesa nos quartos da minha memória. No escuro não posso mais te ver. As lembranças não podem mais me tocar. Já que não posso matar o amor, que as lembranças morram então.


O que alimenta essa dor é cada faísca de lembrança que o passado – que não passou – insiste em soprar sobre minha alma ferrada. Sinto que passei dentro de um triturador. Nem que eu arranque teus olhos eles seriam capazes de me enxergar. Deus, você não me enxerga. Eu sempre intensa e urgente. Você tão tô-nem-aí-para-suas-necessidades-bobas. As minhas cores desbotaram junto com o meu amor. O amor deve ter se cansado de mim. É, pode ser isso também. Quando o amor se cansa da gente, ele quer ir embora. E não há partida que não doa. Não há partida que não te deixe partido. Você partiu de mim, mas teu corpo continua aqui na minha cama. Estou velando teu sono e assistindo pacientemente o nosso amor agonizar. Me deixa esquecer? Ah, agora quem sou eu para julgar quem quer esquecer algo?


Meu nome não é Clementine, mas eu quero esquecer. 

2 comentários:

  1. Quanta beleza na arte de quem tem o dom maravilhoso da escrita!!!

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  2. Quanta beleza na arte de quem tem o dom maravilhoso da escrita!!!

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